Dias atrás participei de uma discussão com meus antigos colegas de faculdade, nós, economistas de formação, colocamos em pauta o desempenho da economia nacional. É bem verdade que na opinião de algumas pessoas, esse tipo de discussão não leva a nada, mas no nosso caso, levamos como um hobbie.
Pois bem, de um lado tínhamos pessoas celebrando; de outro, pessoas se queixando. Uns apontavam para a queda da inflação, enquanto outros lembravam que ela ainda se encontra nos dois dígitos, no decorrer, vi os mais otimistas falarem da alta do PIB e os mais céticos apontavam para o dólar no persistente patamar dos “cinco e tantos”. Aguerridos em suas considerações, cada grupo apontava uma informação diferente. Seguia-se disso o lembrete de que o Brasil está com menor nível de desemprego dos últimos sete anos, mas a resposta vinha pelo fato de o país ter voltado ao Mapa da Fome.
A discussão foi longa. Mas quem tem razão? Na verdade, todos ali se baseiam em informações verídicas e eram capazes de realizar análises conjunturais com forte embasamento crítico.
Comecei então a pensar em cada fato apontado na discussão como uma peça de um grande quebra-cabeça. Cada peça tem sua importância perante o todo, assim como fato tem sua relevância para melhor compreensão da realidade.
Nesse processo, me deparei com um pensamento intrigante: como a utilização de variados dados e informações pode nos levar a entendimentos controversos. Diante disso, comecei a refletir sobre um campo de estudo que gosto bastante: a Economia Comportamental, com notoriedade cada vez maior nos últimos anos, essa área de pesquisa visa investigar o comportamento humano na tomada de decisões econômicas, considerando que todos nós estamos imersos em ambiente de constantes incertezas. Entre os principais nomes, sem sombra de dúvidas, figura o de Daniel Kahneman, psicólogo de formação, ele forneceu contribuições valiosíssimas para o estudo na área aqui mencionada. Inclusive, por conta de seus estudos, foi laureado com o Prêmio Nobel de Economia, em 2002.
Basicamente, seu trabalho fala sobre como a incerteza afeta o comportamento humano.
Naturalmente, outros pesquisadores somaram para o avanço desses estudos. Mas para resumir, podemos adiantar que as conclusões mais recentes da Economia Comportamental é que não somos tão racionais quanto gostaríamos.
E por que isso acontece? Nosso cérebro, para preencher as lacunas da incerteza, faz julgamentos preconcebidos como uma forma de agilizar nossa tomada de decisões. Por causa dos atalhos mentais produzidos por nossas mentes, os especialistas da área chegaram à conclusão de que nossas decisões são conduzidas mais por aspectos emocionais que por questões puramente racionais.
Dentro desses aspectos emocionais, temos vieses cognitivos, ideologias, preconceitos, euforia, medo… Tudo isso influencia a interpretação do mundo ao redor.
Em outras palavras, os fatos analisados podem ser os mesmos, mas a perspectiva diante deles varia bastante.
E aqui temos uma palavra-chave: perspectiva. Ela será construída de acordo com a visão subjetiva de cada indivíduo.
É incômodo pensar como podemos ser muito mais emocionais do que desejamos, isso acontece mesmo quando nos pautamos em premissas técnicas e exposições bem articuladas e estruturadas.
Até certo ponto, podemos dizer que o conhecimento técnico serve para mascarar tendências ideológicas ou preferências pessoais. Em suma, a Economia Comportamental se trata de campo bastante fértil, interligando neurociência, psicologia e, logicamente, economia. Sabendo da existência dos atalhos mentais que nosso cérebro produz, devemos fazer o árduo trabalho de separar aquilo que é considerado impressão enviesada e aquilo que é a realidade em si.
Em outro trabalho, intitulado “Ruído: uma falha no julgamento humano”, Kahneman demonstra que os nossos julgamentos humanos diferem absurdamente mesmo diante de casos idênticos. Para exemplificar, imagine que dois médicos lidam com pacientes com o mesmíssimo quadro. A princípio, tudo leva a crer que os diagnósticos serão os mesmos, mas digamos que os profissionais deram diagnósticos bem diferentes. Embora seja racional esperar que o parecer profissional fosse o mesmo para ambos os casos, é perfeitamente possível que as coisas não transcorrem dessa maneira. Aliás, encontrar médicos com visões divergentes é relativamente comum, não é mesmo? Essa diferença no diagnóstico pode ter vínculo com a experiência pessoal de cada médico.
Um deles, com base em experiências passadas, pode fazer uma associação entre o caso de seu paciente e um outro bastante semelhante que teve contato, induzindo, ainda que subconscientemente, o entendimento do profissional acerca do quadro geral. Já o outro médico poderá se recordar de um livro que leu ou aula assistida no seu tempo de faculdade que descrevia os sintomas notados em seu paciente.
Ambos podem ter uma formação exemplar, mas suas experiências pessoais podem interferir no julgamento que cada profissional fará.
Isso serve para ilustrar como o mesmo cenário pode provocar reações e interpretações distintas a cada pessoa. Voltemos agora ao prisma econômico, é relativamente em discussões econômicas e políticas a expressão “Em que país você vive?”. É uma pergunta em tom de provocação, claro, mas não deixa de carregar, ainda que implicitamente, uma verdade que a Economia Comportamental insistentemente joga em nossas caras: tendemos a interpretar o mundo não como ele é, mas como nos parece.